Movimentos sociais protestam contra decisão judicial em prol da Escola de Sargentos
Ambientalistas temem que desmatamento de área preservada com 940 mil m² intensifique crises hídrica e climática no estado
outubro 24, 2024 - 4:01 pm

Ato contrário à construção da Escola de Sargentos em uma área de preservação ambiental de Pernambuco. Foto: Vitória Silva/LeiaJá
No último domingo (20), a Justiça de Pernambuco acatou um pedido do Governo do Estado de suspender a liminar que proibia obras no corredor ecológico da Área de Preservação Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, no Grande Recife. A decisão acontece em meio a um debate entre o Governo e movimentos sociais e ambientalistas sobre a construção da Escola de Sargentos do Exército (ESE) de Pernambuco, prevista para ser erguida dentro do território da APA, em Paudalho, na Zona da Mata. Nesta quinta-feira (24), ativistas se reuniram para protestar contra o avanço da obra.
Durante uma visita ao local onde acontecerão as obras, o ministro da Justiça, José Múcio, disse que a escolha é “irreversível”. O posicionamento do Governo Federal, junto à decisão do Tribunal de Justiça (TJPE), foi um golpe aos ativistas ambientais, que questionam o impacto socioambiental do empreendimento.

O que é a Escola de Sargentos?
A Escola de Sargentos do Exército integrará o Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC), no município de Paudalho, Mata Norte de Pernambuco. A obra terá um investimento total de R$ 1,8 bilhão e, desde a definição do local, gera debate devido à área de desmatamento da Mata Atlântica na qual a APA está. As obras ainda não iniciaram e estão em fase de estudos de prospecção. O Exército aguarda, ainda, a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Pernambuco.
A APA Aldeia-Beberibe é uma unidade de conservação sustentável presente em oito municípios do Grande Recife. São 31.634 hectares e a maior parte (69%) está em Abreu e Lima. Paudalho, onde será construída a escola, ocupa cerca de 10% da área. Outros municípios inseridos no território Aldeia-Beberibe são Araçoiaba, Camaragibe, Igarassu, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata.
A área tem 940 mil metros quadrados, o que equivale a 90 campos de futebol. A escola estaria no coração da Mata Atlântica pernambucana, em um dos únicos trechos preservados do bioma no estado. Ao todo, cerca de 200 mil árvores precisariam ser derrubadas para dar lugar à ESE.
Rejeição dos ambientalistas
Nesta quinta-feira (24), o Fórum Socioambiental de Aldeia, junto ao movimento Salve APA Aldeia-Beberibe e outras organizações, realizaram um ato em frente à sede do TJPE, no Recife. Os ativistas admitem que a recente decisão judicial desfavorece a luta contra o desmatamento da área de proteção, mas que é preciso refazer as estratégias de sensibilizar e informar a população.
“A sociedade civil entrou com uma solicitação ao Ministério Público para que o Governo de Pernambuco e a CPRH não autorizassem a construção de nenhum empreendimento nesta APA. Agora, a gente percebe que o Exército tem mais espaço para que isso aconteça. A liminar era uma forma de frear esse movimento e termos uma segurança. Existe a Lei da Mata Atlântica, que já nos assegura, mas estão tentando negociar essa construção de outra forma”, afirmou Julia Luíza, estudante de engenharia agrícola e ambiental, e ativista.
A ambientalista destaca a importância do corredor ecológico que existe na localidade. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (AMA), os corredores ecológicos são porções de ecossistemas que conectam diferentes áreas fragmentadas, permitindo o deslocamento de animais, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal. Eles constam na Lei 11.428/2006, a Lei da Mata Atlântica, criada com o objetivo de proteger essa unidade biológica.
“A Mata Atlântica já é o bioma mais ameaçado de extinção no país. A APA Beberibe fica dentro de uma área de Mata Atlântica. Para além da ameaça, temos espécies de aves e répteis, únicas e endêmicas, que só existem lá. Já sofremos com o impacto do desmatamento em todo o país, que vem causando uma grande quantidade de emissões do efeito estufa, e que intensifica a crise climática que já vivemos”, acrescentou Júlia.

Crise hídrica e climática
A unidade de conservação Aldeia-Beberibe também é rica em nascentes d’água. A região possui rios e riachos que afluem para a barragem de Botafogo, em Igarassu. Em operação desde 1986, o local abastece mais de 700 mil pessoas nas cidades de Olinda, Paulista, Igarassu e Abreu e Lima.
“A destruição dessa área vai eliminar a biodiversidade e ainda impactar a água da região Norte de Pernambuco, porque eles vão aterrar riachos e outras fontes de água com a construção da ESE. Não é só a escola, serão outras construções militares. Você começa com uma escola com habitações para os sargentos, mas aumenta a possibilidade que essa área se estenda em termos de devastação”, explica Helenilda Cavalcante, pesquisadora do Fórum Socioambiental.
A pesquisadora critica, ainda, a ausência de um estudo de impacto socioambiental, o que deixa a população nativa “inconsciente” dos perigos da obra.
“Há uma ameaça à questão hídrica da população pernambucana, pois a área possui nascentes d’água. Lá na APA também tem rios sagrados, inclusive, para a cultura de terreiros, como o rio Catucá [onde está o maior quilombo de Pernambuco]. Para além da fauna e da flora, temos também uma população local que está ali há muito tempo e que ainda não está ciente da grandiosidade desta obra”, acrescenta.
A preocupação dos ambientalistas vai além do desmatamento e dos impactos imediatos à fauna, flora e população local. Os movimentos temem que o Grande Recife, região mais vulnerável às mudanças climáticas no Brasil, sofra com uma intensificação da crise climática.
“O Exército vem falando de uma compensação ambiental que não vai acontecer. De fato, a terra vai se regenerar, mas a gente não está aqui para ver isso acontecer, porque é algo que demora bastante, é um plano a longo prazo. O Recife já é uma cidade muito vulnerável e a construção ameaça toda a região metropolitana, porque a APA funciona como um centro de regulação climática para a região”, volta a comentar Julia Luíza, do movimento Salve APA Aldeia-Beberibe.
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